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Candonga

Mercado negro de ideias da minha cabeça.

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17 de Fevereiro, 2022

Cai Neve: O Homem-Vagina

Bruno Gouveia

Sabem quando numa conversa de grupo, alguém diz olá, o resto da malta cumprimenta e depois não se diz mais nada? Aconteceu-me no outro dia. Para quebrar o gelo decidi inventar um super-herói: o homem-vagina. Só para ser controverso. 

É um super-herói que se veste com um fato e um capuz com folhos. O capuz tem uma bola vermelha na ponta que imita o clitóris. Um instrumento tecnologicamente avançado e muito sensível que vibra com qualquer alteração de pressão atmosférica, dando-lhe a capacidade de antever os movimentos dos adversários. É um spider-sense ao fim de contas.

O super-poder do homem-vagina é ser elástico e assim conseguir "engolir" os seus inimigos. Tem a capacidade de produzir fluidos ácidos, cuspindo-os à distância ou usando-os para desfazer os inimigos que engole. Pode também, em certas alturas do mês, como os lobisomens, ter outras características que impulsionam as suas capacidades.

Para financiar a sua actividade de vigilante, o homem-vagina faz anúncios para uma empresa de produtos de higiene feminina.

Os meus amigos pediram-me uma origin story e eu, para não ter de pensar numa e poder desculpar-me com o argumento de subverter expectativas (como faziam o David Benioff e o Dan Weiss, os produtores executivos de Game of Thrones), não criei nenhuma. O homem-vagina existe desde sempre, é uma constante do universo. Esta ninguém esperava.

Fica-me a faltar um bom vilão. Tendo isso, posso partir para criar o meu universo cinematográfico e ser finalmente um concorrente da Marvel, já que a DC não consegue acompanhar. Vamos lá ver o que fazem no novo Batman, parece ter bom aspecto.

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16 de Fevereiro, 2022

Cai Neve: Negócios na restauração

Bruno Gouveia

A cena fixe dos mosteiros é terem mesas de matraquilhos.

Tenho uma ideia de negócio. Há tantos tipos de restaurantes diferentes, quase que existe um para cada gosto. Dos snack-bars às pizzarias, dos macrobióticos aos rodízios. Mas há um nicho de mercado por explorar. O dos canibais. Onde é que esta gente vai jantar fora? Não há um espacinho para eles. A minha ideia é fazer um restaurante para canibais. 

“Ai e onde é que arranjas pessoas para comer?” perguntam vocês.

Pois bem, aí é que está a genialidade deste negócio. Só preciso de tratar de arranjar matéria prima para a primeira refeição. Depois disso, o negócio sustenta-se a si próprio. Transformo os clientes de um dia nas refeições do dia seguinte. Reduzo os custos ao mínimo e, ao mesmo tempo, faço serviço público, pois diminuo o número de canibais que andam para aí. Não tem como falhar.

Epá... isto é empreendimento para precisar de capital inicial. Senhores espectadores, se quiserem enveredar por este ramo de negócio, falem comigo e combinamos uma reunião para discutir sociedade. Juntamo-nos e discutimos percentagens. E, se não se importarem, façam uma alimentação à base de proteína e cereais na semana anterior.

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15 de Fevereiro, 2022

Tempos raros

Bruno Gouveia

 

Neste momento estou feliz. É raro apanhar estes momentos em que tudo bate certo, em que temos quase a plenitude do bem estar. O local, a música que o acompanha, os pensamentos que surgem. Agora sim. Estendo-me numa banheira de água tépida. A minha namorada dá banho ao bebé do outro lado da cortina. Fala com ele. Ele resmunga e aceita, pára. Ela tira fotos para mandar aos avós. A luz reflecte no tubo do chuveiro e cintila. Os Explosions in the Sky trazem calma e sabores oníricos. Se tudo acabasse aqui, estava bem. Cheguei cá. Tenho uma casa, uma mulher, um filho, uma mãe que sobrevive ao cancro, uma família. Não sabia que queria isto. Sabe tão bem e é tão raro apreciar momentos. As lágrimas correm e a guitarra plana junto a mim. Encolho-me e mergulho e volto à infância, aos banhos que a minha mãe me dava. Mergulhava-me e ouvia o mar, dizia-me ela. Os barulhos do café do piso de baixo diluíam-se na água do banho e simulavam golfinhos, corais, algas, submarinos, dinossauros, personagens das novelas. Daquele tempo até agora. Dois tempos felizes. Dois tempos raros.

 

15 de Fevereiro, 2022

Cai Neve: Supermercados e respeito pelos religiosos

Bruno Gouveia

Qual é a cena dos supermercados terem logotipos intratáveis? Já olharam para o logotipo do Aldi? Não preferiam ver uma criança de 5 anos a jorrar diarreia dos ouvidos do que olhar para aquilo? O pingo doce também tinha um logotipo terrível antigamente, era preciso um sexto sentido para perceber que aquilo representava as iniciais P e D. É bom que mudaram de logotipo, mas agora têm uma música do demónio. E o continente? Tem um lettering ok mas nunca mais ninguém se esqueceu das músicas da Popota ou da Leopoldina. Não dá para ganhar, ou queimam as retinas ou a memória auditiva.

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O Lidl pode não ter nenhum destes problemas mas tem outro igualmente mau. Ir ao Lidl é o mais perto de um apocalipse zombie que podemos estar. Em vez de usar cestos e carrinhos, civilizadamente, usamos caixas usadas como se estivéssemos a pilhar pela nossa sobrevivência.

Agora que já casquei nas grandes superfícies, vou dar um pézinho na religião.

Eu falo muito mal de quem é religioso e de figuras que representam religiões. A minha namorada e a minha mãe não gostam nada. Elas dizem-me que tenho de respeitar as crenças dos outros mas eu duvido disso. Qual a razão para o fazer? Se eu decidisse insultar alguém no meio da rua, as pessoas iam respeitar-me? Acho que não. É o mesmo cenário. Uma pessoa religiosa insulta-me, insulta a minha inteligência e a de todos que conseguem pensar mais de 2 minutos sobre um tema. Isto não significa que abomine essas pessoas. Elas podem ser amigas, simpáticas, referências científicas, fazer imenso bem à humanidade mas, no domínio do ter dois palmos de testa, falham redondamente. Eu também falho, não sei dar um chuto numa bola, é igualmente deprimente. 

Não quero aqui fazer juízos de valor. A religião não passa de mais um assunto. As pessoas podem ter “blind spots” em várias áreas. Não acredito que toda a gente que vote em partidos da extrema direita seja abominável, a maior parte das vezes são pessoas enganadas, tal como os religiosos. Mas não as respeito, nesse sentido. Agora se fizerem bons origamis, são as maiores.

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15 de Fevereiro, 2022

The Book of Boba Fett

The Book of Boba Fett é a mais recente série centrada no universo de Star Wars. Nunca sabe o que rea

Bruno Gouveia

Nem sei por onde começar a esquartejar esta primeira (e única, espero) temporada de Book of Boba Fett. Talvez pelo conceito. O que parece, pelos primeiros episódios, ser a história de um dos mais amados personagens do mito da Guerra das Estrelas, passa a ser uma nota de rodapé (daqueles rodapés bem marcados pelos constantes embates com aspiradores) na saga de um mais interessante protagonista, o Mandalorian. Quando os melhores episódios da série, que tem o nome do seu personagem principal, não o incluem, algo está muito mal. E quando trinta por cento da série trata de uma demanda tangencial à principal, o ritmo da série sofre. Falo do episódio cinco e seis que seguem as aventuras de Din Djarin e Grogu e que deveriam fazer parte da terceira temporada da série a que eles pertencem. Com este detour, perdemos tempo precioso que seria bem mais útil a dar-nos motivos para nos interessarmos em alguma coisa da esfera da vida de Boba.

Agora vamos imaginar que esses dois episódios de Mandalorian não pertencem ao Book of Boba Fett. Ficamos com o quê? Com uma história sem nexo, com personagens sem personalidade nem motivação, com cenas de ações ridículas e inusitadas. E é nisso que me vou focar no resto desta crítica. Parto do princípio que o enredo paralelo do Mando é uma série à parte.

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Havia tanto potencial na cidade de Mos Espa para criar uma intrigante guerra de facções, jogos políticos, vício e traição. Nada disso acontece. É quebrada a regra do show, don’t tell. A série apresenta-nos as várias famílias do crime, os intervenientes políticos e os supostos representantes dos cidadãos (os Mods) da maneira mais vaga possível. Nada os caracteriza, não se constrói o mundo que eles habitam. Aparecem e pronto. É-nos pedido que acreditemos que existe mesmo algo em jogo. Mas não existe. A série não proporciona conflito e, por isso, falha narrativamente.

Gostava de dizer que apesar disso os actores conseguiram trabalhar. Com muita pena minha, não o posso fazer. Não por demérito deles, mas porque foram servidos de diálogo absurdo e exposições repetitivas. Nunca puderam demonstrar qualquer tipo de sentimento, pois nada havia no papel. Não se percebem as motivações de nenhum dos intervenientes, além do sindicato do crime que pelos vistos é motivado pelo tráfico de Spice, que nunca se percebe ao certo o que é neste universo. Os argumentistas devem ter pensado que quem vê esta série também deve ter visto ou lido o Dune e não é preciso explicar as implicações que tem no mundo de Star Wars.

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E as cenas de ação? De certeza que uma série da Disney com uma produção de milhões vai ter cenas que definem uma geração. Não é o caso. Desde o parkour do primeiro episódio, passando pela perseguição das motas coloridas, até ao último episódio com rodopios inúteis, são cenas lentas, trapalhonas e sem sentido. Esperava-se muito mais de Robert Rodriguez. Deixo aqui uma paródia que captura a essência do ridículo da coreografia do último episódio:

Mesmo os piores momentos da saga da Guerra das Estrelas adicionam alguma coisa ao folclore. Por muito más que sejam as prequelas, a série de animação Clone Wars conseguiu pegar em alguns diamantes em bruto e poli-los de forma interessante. Receio que neste caso isso não aconteça. O que foi adicionado ao universo? Os mods, um bando de pessoas com fetiches por ciborgues que se destacam pela negativa. Todo o seu visual contrasta com o estabelecido de Tatooine e não há nada que os justifique. Nem a eles nem às motas coloridas evocativas de Power Rangers. Também a Fennec Shand se tornou numa ciborgue, como é revelado num dos flashbacks, mas sem qualquer consequência para a personagem.

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Para acabar, The Book of Boba Fett é um falhanço em múltiplos níveis, do conceito à execução e a única coisa que a redime é o Cad Bane em live-action. Já não se perde tudo. Que venha a terceira temporada do Mandalorian.

 

14 de Fevereiro, 2022

Um mês de pai

Bruno Gouveia

Já não escrevo o diário há muito tempo, quase há uma semana. Nem sei bem o que escrever agora. Sinto-me na obrigação de escrever uma review do Book of Boba Fett e não sei bem porquê. O diário estava a funcionar bem para mim, antes de começar a publicar. Fiz um blog, coloquei lá os meus textos e comecei, inconscientemente, a pensar em escrever textos mais apelativos, como reviews. Escrevi um texto sobre o tick, tick…BOOM! , foi parar aos destaques e agora sinto-me na obrigação de escrever sobre tudo o que vejo, leio ou jogo. Será que o devo fazer? É que não me apetece nada. Estou a desvirtuar o meu diário, que era suposto servir só para mim. Ainda vou a tempo de o tornar privado mas há alguma coisa que me impele a mostrá-lo ao mundo. Nem que seja só uma pessoa a ler, satisfaz-me alguém estar do outro lado do que escrevo para mim, sem ser eu.

Acho que não estou a fazer um bom trabalho a descrever o meu ímpeto para a escrita, se calhar porque não o percebo bem ou ainda o estou a tentar descobrir. É estranho.

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Já que hoje abri uma página em branco para falar do meu dia, sem ter um tema atrelado, posso reflectir sobre a parentalidade. O Gaspar fez um mês ontem e fizemos uma modesta festinha. De manhã vieram os tios da minha namorada visitar-nos e ver o bebé pela primeira vez. Foi bom ter visitas, falar sobre repetidores de sinal wi-fi e de taxas de juro. Não socializo há tanto tempo que foi um balde de mundanidade que bem precisava. 

Para a parte da tarde, a minha namorada fez um bolo de cenoura, seguindo a receita da Clara de Sousa. Ficou húmido e delicioso. Os pais dela vieram fazer uma visita ao miúdo e aproveitaram para comer uma fatia. Tirámos fotos, com a cadela incluída. Ter a cadela connosco foi um esforço hercúleo. Ela fica extremamente excitada com pessoas novas e salta, acabando por magoar. Depois de uma meia hora de paciência, com trela, ela lá se habitou à presença dos meus sogros e presenteou-nos com a sua pose fotográfica.

Eu que dizia que festejar meses era uma coisa estúpida. Mudei de ideias, foi um dia muito agradável. Para nós, para o bebé foi dormir e cagar, como de costume.

12 de Fevereiro, 2022

Cai Neve: #CarinhoParaComOFunicular

Bruno Gouveia

 

Funi, fnnii, fniclar. Funi-colar. É realmente uma palavra engraçada. E o próprio machimbombo é caricato. É um gênero de nave espacial dos pobres. Um space-x de subir ruas íngremes.

Este meio de transporte tem sido, desde sempre, relegado à segunda categoria. Não tem a ele associado o sentido de perigo e aventura de um avião, nem a praticidade de um automóvel. É, no fundo, uma cadeira elevatória para idosos que partiram a bacia, em ponto grande.

Não se vêm modelistas a construir intrincados percursos de funicular nem há voltas ao mundo de funicular. É o cruzamento infértil entre o elevador e o comboio.

Com esta reputação sombria, é difícil 

arranjar argumentos que ponham as pessoas no modo "#carinhoparacomofunicular". Mas pensem bem, quantas vezes o funicular já vos salvou o dia? Daquela vez em que estavam a mostrar a cidade aos vossos familiares franceses e a vossa cunhada torce um pé por insistir em usar saltos altos em plena calçada. O funicular estava lá para vos levar aquele ponto turístico que vocês já não podem ver mais mas que, enfim, tem de estar incluído na rota turística.

E deve ter sido só aí, de resto sobem a rua, né? Não vão pagar 2 euros para andar 200m.

 

10 de Fevereiro, 2022

Cai Neve: Peganhal

Bruno Gouveia

 

Se há palavra que falta na língua portuguesa (e, talvez, nas outras todas) é uma palavra que descreva a sensação de ter a mão suja, peganhosa. Não é a mão toda porca, é ter apenas uma pequena área, um ponto pequeno que nem conseguimos bem determinar onde é, coberta de algo que nos dá repulsa. Pode ser uma pinga de mel, um pedaço de cola ou algo de outro mundo que não sabemos como foi lá parar. Não existe outro sentimento minimamente parecido, é muito difícil de exprimir por palavras.

Acho que a saudade (palavra única, dizem alguns) é bem mais fácil de descrever do que este sentimento. Saudade é só sentir falta, uma espécie de nostalgia sofrida. Agora o “peganhal” não se consegue descrever assim. “Peganhal”. É a minha pobre proposta para isto, alguém irá inventar uma melhor. É muito mais do que um pequeno desconforto. Quer dizer, nem é mais, é menos. Menos na maior parte das situações, mais quando temos de tocar em alguma coisa. Ficamos ansiosos se temos de tocar no nosso telemóvel, teclado ou comando da televisão. E pior, não atinge dimensão suficiente para nos desviarmos do que estamos a fazer para ir lavar as mãos. É um limbo que não nos permite progredir, nem para um lado nem para o outro.

Podemos usar esta nova palavra, metaforicamente, para descrever aqueles momentos das nossas vidas em que temos duas opções, uma delas vai tornar o que nos rodeia um pouco de nada pior, tal como um objecto um pouco de nada mais nojento, e outra que requer bastante esforço para realizar, como subir um andar, abrir a água fria e esfregar uma zona minúscula de pele. Talvez, na maior parte das vezes, o mais racional seja deixarmos o mundo piorzinho. Não terá consequências de maior mas o nosso desejo pela perfeição inatingível força-nos a considerar fazer o correto.

E não é simples decidir, trata-se de uma questão complexa e filosófica, muitas das vezes. Cada situação será avaliada individualmente, com desfechos diferentes para cada uma delas. Quando isso acontece, superamos a nossa peganhez e decidimos. E por muito que seja uma ilusão de livre-arbítrio, parece-nos ser nossa. E o Nosso é a única coisa que temos.

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09 de Fevereiro, 2022

tick, tick...BOOM!

Bruno Gouveia

Hoje vou-me estrear a escrever sobre cinema. Aproveito o “tick, tick…BOOM!” para ganhar balanço. É um biopic, produzido pela Netflix, o primeiro filme realizado por Lin-Manuel Miranda, criador do Hamilton.


O filme é um drama musical biográfico que segue Jonathan Larson, o dramaturgo por trás de Rent, no início dos anos 90 e interpretado por Andrew Garfield (The Social Network, The Amazing Spiderman), na sua demanda de escrever e produzir o seu primeiro espectáculo para a Broadway. A narrativa segue também a sua relação amorosa com Susan (Alexandra Shipp) e a amizade com Michael (Robin de Jesus), amigo de infância e colega de quarto.


Andrew Garfield é para mim um dos melhores actores de Hollywood da actualidade. Quem diria que sabia cantar? Dá vida à ansiedade de ser artista, exprime a corrida contra o tempo e o desejo da criação humana como ninguém. Não demonstra isso apenas nos seus vários monólogos em palco mas também quando contracena, sempre dando um vislumbre do conflito interno da personagem.


Apesar de algumas personagens secundárias servirem apenas de cenário ao drama do personagem principal, a história de Michael (Robin de Jesus), o melhor amigo de Larson, homossexual num mundo a atravessar uma pandemia de VIH, destaca-se, acrescentando drama à iminência da morte. E a iminência da morte é um dos temas deste filme. O desejo, às vezes irracional, do protagonista querer escrever um musical antes dos 30 anos de idade causa-lhe perturbações nas outras esferas da vida privada, principalmente na sua relação amorosa. É, por isso, o conflito entre a normalidade, o ter um emprego estável, um apartamento com porteiro, uma família e a procura de uma verdade artística, uma obsessão criativa, que criam tensão na vida de Larson. As pessoas mais próximas dele rendem-se à rotina responsável, à tentação de ser mais um, mas Larson resiste e insiste, mesmo quando a tentação de ir para o outro o lado é grande.


A melhor cena e número musical do filme é, para mim, a Terapia. Podem vê-la aqui:

As interpretações são irrepreensíveis, a edição entre a discussão e o espectáculo está meticulosamente cuidada e a letra da música, inserida numa canção country, diz muito sobre relações humanas. Além disso, o motif das marionetes parece ter uma grande inspiração da cena memorável de Renée Zellweger e Richard Gere no filme Chicago, que é sempre bom relembrar.

Nem todas as músicas são brilhantes. Em contraste com as brilhantes canções de Therapy, Boho Days e Sunday, algumas não têm a mesma inspiração. A realização da música Swimming, apesar de terminar de uma maneira visualmente criativa, parece não se enquadrar no registo estabelecido pelo filme. O mesmo acontece na Play Game, podia ser uma cena cortada que não faria diferença para a narrativa do filme.


Por fim, deixo uma citação, proferida pela agente de Larson, Rosa (Judith Light), que resume o acto de expormos as nossas criações ao escrutínio público:


“A primeira apresentação do teu musical é como fazer uma colonoscopia em Times Square. Só que o pior de uma colonoscopia é descobrires que tens cancro. Com um musical, descobres que já morreste”

08 de Fevereiro, 2022

Quero voltar

Bruno Gouveia

Hoje é dia de terapia. Dia de reflexão sobre a semana que passou, também.  Sinto que dei uns passos atrás. Deixei-me levar pelo escapismo dos videojogos, deitei a mão à febre da vacina para me deixar estar quieto e estive irritado grande parte do tempo. Não escrevi praticamente. Passei quase todos os segundos livres a olhar para uma consola ou para um jogo no computador. Não foi bom. Já não jogava nada, tirando Wordle e uma noite de Back 4 Blood com os amigos, há meses. Acho que até desde que comecei a terapia. Decidi experimentar o Vampire Survivors, comeu-me catorze horas e depois meti-me no Pokémon Legends Arceus, que já vai nas vinte e tal horas.

Quando jogo, tendo a racionalizar. Justifico-o com a necessidade de espairecer, esvaziar a cabeça por um bocado. Tento fazer de um vício um descanso. E não acaba aqui, o pensamento entra em espiral. Começo a pensar se realmente é um vício ou se consigo limitar o tempo que passo a jogar, este último sem consequências positivas. Será que é uma questão de tudo ou nada? Tenho de parar de jogar vídeojogos, que me dão tanto prazer, como parei de fumar? É o mesmo? Sinto-me mais irritado quando estou no processo de passar um jogo, não faço tudo o que devia em casa nem cumpro os meus objetivos pessoais de escrever todos os dias. Está a prejudicar a minha vida. Mas será que é o jogo? Ou sou eu que ponho as culpas do meu desinteresse e apatia numa dependência que não controlo, ou não quero controlar? São boas questões para fazer logo e para responder depois.

O trabalho de casa para esta semana, dado pela terapeuta, era identificar o que penso quando me sinto sem vontade. Por vezes sinto uma força que me prende no sítio, que me impede de sair da cama, de fazer o que quer que seja, uma apatia atroz. Identifiquei algumas possíveis causas, mas não pensei muito sobre isso, acho que tentei fugir um pouco. Uma delas é uma doença crónica de que padeço, a Hidradenite Supurativa. Esta condição causa-me dor, desconforto e vergonha e vivo com ela desde os dezasseis ou dezassete anos. Só fui diagnosticado no ano passado, até então pensava que era apenas acne. Os tratamentos que já tentei têm efeitos secundários que são piores do que a doença, ou assim quero acreditar para não ter de os fazer e desleixar-me à vontade. A doença tem um forte impacto em mim, no meu bem estar e na vida de quem me rodeia. Mais um tema para falar.

Outra das possíveis causas do meu mau estar mental são daddy issues. Sei que a minha infância e a relação com o meu pai tiveram, e continuam a ter, efeitos nefastos para mim mas ainda não tenho coragem suficiente para abrir esta porta. É uma fonte de dor e sei que se mergulhar nela com alguém presente vou ficar encharcado. Mas algum dia tenho de o fazer, não o posso adiar eternamente como adio tudo o resto. Cá está, outro problema a tratar, a procrastinação e a minha relutância em tratar de mim mesmo. É, há muito trabalho para fazer na terapia. Tenho de começar a puxar estes cordéis para ver o tamanho do desagradável novelo.

Estou ansioso para esta sessão, receoso do que vem aí, desconfortável por falar nas coisas. Agora menos, já escrevi algumas delas. É importante fazer este exercício de introspecção antes de falar com alguém. Ajuda a preparar-me, é como uma almofada para a alma. Independentemente do que acontecer naquela hora, vou voltar a escrever. Não sei se vai ser preciso parar de jogar para sempre ou fazer uma lobotomia, mas quero voltar à minha rotina. É bem mais importante do que salvar o mundo de vampiros ou pokémons endiabrados.

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