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Candonga

Mercado negro de ideias da minha cabeça.

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26 de Abril, 2022

Lavandaria

Bruno Gouveia

Deixas-me? Anda lá, deixa-me escrever. Lá estou eu a escrever sobre não conseguir escrever. O que é que isso diz sobre mim? Não abona muito a meu favor. Se só consigo escrever sobre não conseguir escrever, é porque na realidade não sei escrever sobre nada sem ser sobre não escrever. E se não escrevo é porque não sou bom a escrever, certo?

Tenho andado à procura de assunto e não encontro nenhum. Parece que tudo me fugiu e não tenho qualquer interesse em ir procurar alguma coisa. Lá está, não abona muito a meu favor. Ainda queria sentir orgulho por escrever sobre não escrever mas já foi o tempo. Se fosse ontem ainda me sentia um felizardo por conseguir dedilhar num teclado que me força a carregar demasiado nos botões para ejacular palavras. Vou trocar de teclado, de certeza que é isto que me está a bloquear. Que outra razão seria?

Os sentimentos reprimidos da minha infância? Que parvoíce, claro que não. Esses estão aqui muito bem encaixotados para dar carácter. Se além disso me dessem caracteres também agradecia. Parece que agarram a vontade como a força de um bebé a agarrar a barba do pai.

Não sei é se quero tirá-los à tenaz. Talvez seja melhor ir devagar devagarinho. É verdade, tinha alguma coisa para comentar. Acho que era sobre a Tabacaria do Álvaro de Campos.

 

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira

Talvez fosse feliz.)

 

Fiquei seriamente a pensar sobre estes versos. Será que ele está a questionar se o amor dá sentido à vida? Que se tivesse uma mulher na sua vida deixaria de querer ser tudo? Ou é esta suposição outra manifestação do tal desejo de ser tudo e não ser nada? Talvez faça parte desse desejo. Ou pode ser mesmo inocência de quem nunca esteve com ninguém e é um instinto animal que lhe dá a ilusão de fuga da condição humana. O amor torna-o animal, alheio aos desejos pensados, apenas presente nos desejos vividos. É isto que maravilha, o não viver gera uma vida muito maior que a possível. O estar ausente gera a metafísica e aparece dentro de todos os que se relacionam com o texto.

E pensar nisto é o mesmo que comer chocolates.