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Candonga

Mercado negro de ideias da minha cabeça.

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Mercado negro de ideias da minha cabeça.

30 de Novembro, 2021

Aprender a escrever

Bruno Gouveia

Como hei de voltar a isto? Há tanto tempo que não o fazia e agora faço-o só para me sentir bem. Fui desafiado a escrever só para ver como me sinto sem pensar no que fazer com isto ou se é bom ou não. É normal já estar a pensar como pôr este texto na contracapa do meu livro vencedor de nobel? Ya, acho que não está a dar. Vou tentar de novo num outro parágrafo

Tentativa número dois. Agora está a ir bem. Estou a ouvir música de uma banda que apanhei durante o meu interrail (Subterranean Street Society). Supostamente foram as semanas mais felizes da minha vida, diz a minha memória. Quando vou ler o que escrevi na altura já não é bem assim. Acho que já na altura tinha o meu teen angst ao rubro. Só pode, para ter feito aquela viagem. Às vezes acho que nunca passei da puberdade e que estou no mesmo estado de espírito. Será verdade?

 

Qual é a minha mania de pôr uma linha em branco entre parágrafos? Para desligar mais as ideias? Deve ser isso. Vou apagar os espaços para ganhar coesão. Não funcionou.

Lá estou eu outra vez a pensar como publicar isto, se num blog, num caixote de revistas eróticas, num post-it colado com fita-cola. Se os post-its forem novos nem preciso da fita-cola. Agora pensando bem… E se começar a deixar textos meus por aí, em post-its? Dentro de livros em livrarias ou em mesas de restaurantes? Olha, grande ideia de marketing. A terapeuta disse-me para não o fazer mas não consigo sair da armadilha. Estou focado em como vender o peixe em vez de aprender a amar ser engolido por tempestades em alto mar.

É isso não é? Escrever é estar numa tempestade em alto mar à procura do caranguejo. Agora, alguém me explica como é que alguém faz isto sem estar a pensar no retorno? Não é decerto pela aventura mas sim pela necessidade. Não é alguém que escolhe sacrificar-se pela religião que o faz. Será que preciso de gostar para o fazer? Acho que é isso que vou ter de descobrir.

Estive quase a terminar o texto por aqui e justificar-me com o estar perfeito. Não está e preciso de mais dedicação se quero fazer alguma coisa disto. Agora continuo a pensar e a escrever. Voltando aos manos do Subterranean Street Societ, não dúvido que eles façam o que gostam. O prazer nota-se nas performances deles mas quando estão recatados devem passar por pior que eu.

Outra imagem que me veio agora à cabeça, de uma ida a Paris, um escritor na livraria Shakespeare and Company, à janela a escrever. Eu queria ser aquele gajo. Um género de atração turística, ali todo intelectual, com o seu macbook. Os turistas todos ali atrás de mim a admirar-me a nuca genial. Eu quero ser isso mas na internet. Quero parecer um snob das escritas, que me vejam como um intelectual qualquer mas na realidade nunca escrevi nada de jeito na vida. É difícil que algum dia escreva. Tenho sonhos de grandeza sem ser grande. Sou um Marques Mendes invertido, alto fisicamente mas pequeno no pensamento. Não foi grande exemplo o Marques Mendes. Digam aí um intelectual bem baixinho sem pretensões à presidência da república. Almejo ser o hipster da cena, leio meia dúzia de páginas da wikipedia sobre absurdismo e nihilismo e acho que já sou grande entendido do pensamento. Grande lata.

Preciso de humildade. Acho que é isso que me falta, menos orgulho e mais humildade. Perceber que não sei nada de quase nada e que tudo o que tento ser é uma máscara posta na altura. Está na altura de deixar cair a máscara para mim mesmo. Assumir que sou presunçoso é o primeiro passo.

Ok, está assumido. Agora como sou humilde já sei tudo e já tou a ganhar prémios literários. Porque é que estou tão obcecado com isto? Acho que porque percebi que tenho tido esta obsessão com tudo. Jogo vídeo jogos e penso que devo ser streamer para não gastar o meu tempo inutilmente. Vejo filmes e penso que deveria tornar-me um crítico porque uma vez fiz um trabalho bom na faculdade sobre o Sunset Boulevard.

Agora veio-me à cabeça que este texto seria interessante para começar um diário. O primeiro dia no caminho de ser escritor. Tudo começou aqui. E dá-me uma vontade de pôr isto num blog. Calma que isso vem depois. Para já, vou passar três semanas a escrever por gostar de escrever.

Como foi este texto? Agora que já está concluído, posso escrever como me senti ao escrevê-lo. Senti-me bem. Senti-me todo pseudo-intelectual, deve ser assim que eles se sentem sempre. Além disso, consegui pôr em palavras algumas realizações que tenho feito sobre mim. É um género de meditação ou terapia. E, assim sendo, ninguém deve ler isto senão eu. Vá, se ganhar o Nobel, publico este diário como cash grab.

Lembrei-me de um gajo no Porto que vende poemas com rosas. Ou rosas com poemas? Ele tentou vender-me uma rosa, durante um jantar de grupo, e eu regateei tanto o preço que ele perdeu todo o valor do poema. E no fim ri-me por não conseguir ler a letra dele. Foi mau fazer isso. Ele faz o que eu tento fazer e eu, e tantos outros que não vão apreciar a sua arte, gozo com ele. E mesmo assim ele continua a escrever, sem pretensões nenhumas, apenas como decoração de uma flor, desvalorizando os seus textos quando ninguém se interessa por eles. E mesmo assim escreve. Poemas descartados, maior parte das vezes deitados fora nos minutos seguintes. E mesmo assim escreve. Como? De onde vem a expressão artística? É só a nossa tentativa de dizer alguma coisa de volta ao universo? Tocar nas outras pessoas por intermédio de uma linguagem? Levar um pouco da sua essência aos outros? É isso que se almeja? Ou só o gosto de o fazer? Ou o gosto de se sentir observado? Ou o gosto por gostar? O que é o gosto por gostar? Espero conseguir responder a algumas destas questões nas próximas semanas. E amanhã tenho o Albert Camus para me fazer companhia.

Boa noite.