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Candonga

Mercado negro de ideias da minha cabeça.

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10 de Fevereiro, 2022

Cai Neve: Peganhal

Bruno Gouveia

 

Se há palavra que falta na língua portuguesa (e, talvez, nas outras todas) é uma palavra que descreva a sensação de ter a mão suja, peganhosa. Não é a mão toda porca, é ter apenas uma pequena área, um ponto pequeno que nem conseguimos bem determinar onde é, coberta de algo que nos dá repulsa. Pode ser uma pinga de mel, um pedaço de cola ou algo de outro mundo que não sabemos como foi lá parar. Não existe outro sentimento minimamente parecido, é muito difícil de exprimir por palavras.

Acho que a saudade (palavra única, dizem alguns) é bem mais fácil de descrever do que este sentimento. Saudade é só sentir falta, uma espécie de nostalgia sofrida. Agora o “peganhal” não se consegue descrever assim. “Peganhal”. É a minha pobre proposta para isto, alguém irá inventar uma melhor. É muito mais do que um pequeno desconforto. Quer dizer, nem é mais, é menos. Menos na maior parte das situações, mais quando temos de tocar em alguma coisa. Ficamos ansiosos se temos de tocar no nosso telemóvel, teclado ou comando da televisão. E pior, não atinge dimensão suficiente para nos desviarmos do que estamos a fazer para ir lavar as mãos. É um limbo que não nos permite progredir, nem para um lado nem para o outro.

Podemos usar esta nova palavra, metaforicamente, para descrever aqueles momentos das nossas vidas em que temos duas opções, uma delas vai tornar o que nos rodeia um pouco de nada pior, tal como um objecto um pouco de nada mais nojento, e outra que requer bastante esforço para realizar, como subir um andar, abrir a água fria e esfregar uma zona minúscula de pele. Talvez, na maior parte das vezes, o mais racional seja deixarmos o mundo piorzinho. Não terá consequências de maior mas o nosso desejo pela perfeição inatingível força-nos a considerar fazer o correto.

E não é simples decidir, trata-se de uma questão complexa e filosófica, muitas das vezes. Cada situação será avaliada individualmente, com desfechos diferentes para cada uma delas. Quando isso acontece, superamos a nossa peganhez e decidimos. E por muito que seja uma ilusão de livre-arbítrio, parece-nos ser nossa. E o Nosso é a única coisa que temos.

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