Copo meio cheio, de vinho
Por onde começar? Hoje é daqueles dias. Sinto-me cansado, cansado de todo. O trabalho esgotou-me e tive de dormir uma sesta no sofá depois de jantar, enquanto assistia a Seinfeld, para me aguentar a esta hora. Antes de adormecer vi o episódio em que eles estão perdidos no parque de estacionamento de um centro comercial. É um bom episódio. Eu valorizo muito episódios de televisão que se agarram a um conceito e não o largam, comprometem-se a ele até ao fim. Não resulta sempre, mas este é um óptimo exemplo de como o fazer. O ritmo é belo, tudo o que pode acontecer, e certamente já aconteceu à maioria de nós, acontece sempre bem distribuído ao longo dos 20 e tal minutos de duração. E o final é a cereja no topo do bolo, o carro a não pegar.
Será uma boa inspiração para começar a escrever a minha série sobre a vida universitária? Está-me a custar dar o kick-off, ter perdido o que já escrevi, o episódio piloto, é uma grande decepção para mim. Mas por outro lado é bom, vou conseguir abordar a coisa com um novo par de olhos e não me agarrar aos meus “queridos” com cinco ou mais anos.
Abri uma garrafa de porto que tinha na cave e enchi um copo a mais de meio. Penso que pode ser um ritual para a escrita e temo que se torne um vício. Não queria nada, deixei de fumar há mais de um ano e não quero agora transformar-me num alcoólico da escrita. Até porque vem aí um bebé e não vou poder ter pinga de álcool no sangue quando precisar de tratar dele. Tenho a desculpa que é a despedida. “Dorme agora que depois não consegues.” Acho que o mesmo se pode aplicar a beber um copo depois do jantar.
E já estou exausto. A minha energia ficou em conversas um-para-um com pessoas da minha equipa. Conversas difíceis, daquelas que é preciso arranjar falas mansas para dizer verdades difíceis. Mas acho que consegui. E soube-me bem. Não é assim tão mau o meu trabalho quando consigo que as pessoas percebam que têm como melhorar. Até satisfaz. Devo é focar-me nisso, em ajudar as pessoas a crescer e menos nas tarefas monótonas. Aos poucos.
Os meus amigos mandaram-me uma foto deles todos juntos. Sinto inveja e falta de estar com eles. Chorei um pouco. Preciso socializar mas acho tão difícil ultimamente. Parece que desaprendi tudo o que me custou tanto a aprender nos últimos anos. A pandemia estragou-me. A mim e a tantos outros. Aos poucos.
Aos poucos. É desculpa para tudo o que não quero lidar neste momento. Aos poucos lá se resolve. Não sei se vai lá assim, mas aos poucos.