Dia fugido
Sim, eu sei. Ontem não cumpri o meu objectivo das 300 palavras. E sinto-me pior por arranjar desculpas do género “mas nos outros dias escrevi muito mais, por isso em média cumpri o objectivo”. Não, não estou a ser exigente. E sinto-me cansado e acho que me sinto cansado de me sentir cansado. Não é tarefa fácil tratar de um recém-nascido mas também não devia ser tão difícil.
Parece que os dias escapam por entre os dedos. Hoje levantei-me; fiz o pequeno almoço; dei comida à cadela; li um pouco do Operating Instructions, de Anne Lamott; vi o debate das legislativas na rádio enquanto apanhava sol; enojei-me com o António Costa a atacar o Rui Tavares sem razão, por defender investigar energia nuclear que é uma coisa que o próprio governo já contribui, e no fim do debate ainda se fez de vítima a dizer que foi atacado quando foi ele próprio que puxou o tema para ver se saca uns votos ao Livre, manipulador de merda; estive com o bebé ao colo durante umas horas enquanto a minha namorada fazia o almoço e eu via After Life, a série do Ricky Gervais, estou a gostar, já tinha tentado vê-la antes mas desisti por alguma razão, é uma série que parece não ter pressa nem pressão para ter estrutura; comi; tirei um cochilo no sofá; acordei; passeei a cadela; preenchi os documentos para a segurança social que deram uma luta desgraçada; abri conta num banco que não cobra taxas de manutenção; investiguei um pouco sobre painéis solares; jantei e acabou o dia. No meio disto, umas trocas de fraldas salpicaram as horas.
Dizem que o tempo voa quando somos pais e parece que é verdade. Não se faz quase nada. Ah, para complementar o diário de ontem, para me sentir melhor por ter falhado, posso escrever um pouco sobre o “Waiting for Godot”, do Beckett. Não li tudo ainda. Fui ver a peça gravada no youtube e comecei a interpretar alguma coisa. Parece-me que Godot é o sentido da vida e os dois personagens, Vladimir e Estragon são duas vozes dentro de uma pessoa à espera de o encontrar. Quando Gogo pensa que Pozzo é Godot, representa um vislumbre de ver o sentido da vida no poder. Rapidamente esse pensamento se ultrapassa, mas no entanto a mente humana passou por lá. Não sei se é suposto existir algum sentido, vou apanhando o meu. Pensei em acompanhar a peça com o guião mas mudei de ideias, vou acabar de ler o primeiro acto, ver a peça até apanhar, depois voltar a ler, o segundo, e, por fim, terminar a peça em vídeo. Já estou desejoso de voltar a isso. Espero não adormecer.
Sobre o soneto que estava a escrever, percebi que não me lembrava de como se contam sílabas poéticas. Isto significa que não estava a escrever um soneto. Vou esquecer a forma que me prende. Faço isso de outra vez, agora vou só escrever o que me apetece. Fica aqui o esboço para continuar depois. Mas estou a perder a esperança na poesia. Dá muito trabalho.
Soneto desistido (ou Filho)
Lindeza que é bela e pura
Desejos de ser pé de bravura
Pele rosa, que nada é couro
Começas agora, tal calouro
Sono aquele que já não volta
Dado de oferta à vida nova