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Candonga

Mercado negro de ideias da minha cabeça.

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Mercado negro de ideias da minha cabeça.

01 de Dezembro, 2021

Farto de escrever

Bruno Gouveia

Passaram dois dias. Já estou farto de escrever. Só estou a fazer porque quero provar que consigo fazer uma coisa mais do que 3 dias seguidos. Amanhã já ultrapasso o meu recorde pessoal. Estava deitado no sofá a pensar que tinha de vir escrever e como isso me irritou. Pensava que ia demorar tempo até isso acontecer, até ver uma coisa que gosto de fazer como uma obrigação. Acho que a dificuldade está em não ter uma recompensa imediata. Num jogo tenho logo de volta um achievement ou uma arma nova, sou imediatamente presenteado pela tarefa mundana que faço. Ao escrever não sinto isso. Sinto que escrever é ir para o ginásio, não é fixe.

Mas mesmo sentindo-me assim, não desisti. E até estou relativamente empolgado por escrever mais dois episódios do meu podcast. Um sobre o pastorinho Francisco e outro sobre hotéis. Vamos a isso a seguir. Agora reparo que o registo desta página está um pouco diferente do primeiro. Da outra vez as coisas iam saindo aos bochechos, agora parece que já tinha uma ideia de por onde pegar a escrever e o que queria desabafar. E acho que é isso que estou a fazer, encontrar neste espaço um sítio para depositar pensamentos e reflexões sem a prisão dos resultados. Só a mim me interessa isto. Acho que aos poucos vou lá.

Nestes dois dias fui DJ da noite romântica com a minha namorada no hotel. Gostei da minha prestação. Ao preparar-me para a viagem, enquanto tomava banho, Tenacious D fizeram-me companhia. Deram-me a energia necessária para aproveitar bem o dia. Na viagem de ida para Pedorido escolhi Kings of Convenience, para o descanso romântico e “love making” foi Mogwai, ambas bandas que já ouvi ao vivo em Paredes de Coura. Esse ano de festival marcou-me mesmo. Postrock é óptimo para relaxar, como música de fundo, para libertar os pensamentos. E Mogwai é bem mais calmo do que Explosions in the Sky para manter um clima romântico. Hoje de manhã comecei por Faith No More e mais tarde, depois do pequeno almoço, enquanto lia Nietzsche, Tomahawk. Grandes bandas do génio Mike Patton. E na viagem de volta, Bad Religion para ajudar a ver bem a estrada abraçada por chuva e nevoeiro.

Acho que é fixe documentar isto. Passei muito tempo sem ouvir música, às vezes pensando que não gosto assim tanto de música e ser essa a razão para não ouvir. Ainda bem que voltei, ajuda-me a colocar um “mood” que acho certo para a ocasião. Estou a escrever isto em total silêncio. O que hei-de escolher para seguir o resto do texto? Deixa-me ver… algo electrónico? Aphex Twin? Não conheço praticamente, quando esteve no Primavera escolhi ir ver outra banda que quase não tocou por causa de problemas técnicos no palco. Qual era a banda… Ficou-me a apetecer ouvi-los a eles em vez de Aphex. Vou pesquisar rápido, não saias daí, tu que sou eu. The Black Angels. Na minha pesquisa percebi que nesse ano também estava Mitski, artista que só conheci recentemente e não sei se é bem a minha cena, acho que não é mas ainda vou dar mais uma oportunidade. Vou abrir o Tidal.

Agora acompanhado de música, vamos ver o que sai do meu cérebro. Talvez seja uma boa altura para fazer umas considerações sobre os pensamentos de Nietzsche. Do livro “Man Alone with Himself”, capturei algumas citações das quais vou tentar tirar algum raciocínio do meu lado.

“Loyal to their convictions. The man who has a lot to do usually keeps his general views and opinions almost unchanged; as does each person who works in the service of an idea. He will never test the idea itself any more; he no longer has time for that. Indeed, it is contrary to his interest even to think it possible to discuss it.”

Traduzindo à minha maneira:

“Leal às suas convicções. O Homem que tem muito a fazer normalmente mantém os seus pontos de vista e opiniões inalterados; tal como faz qualquer pessoa que trabalhe ao serviço de uma ideia. Ele nunca mais testa a ideia em si, já não tem tempo para isso. Na verdade, pensar que é possível discuti-la vai contra os seus interesses.”

Talvez concorde. Quando chegamos a uma ideia (e quando chegamos lá sozinhos ainda mais, como Nietzsche escreve mais adiante) tendemos a mantê-la se não nos dermos espaço para a desconstruir. Fica na gaveta, vamos à nossa vida e quando surge alguma necessidade de a recuperar, está lá ela inalterada e a cheirar a mofo. O Homem que esteja sempre a bisbilhotar as suas gavetas mais facilmente as refresca. E quem trabalha a serviço de uma ideia, quem tem um objectivo firme ou um propósito delineado, mais investido ainda está em não a alterar. Voltar a pensar nela será voltar atrás, pôr em causa o seu próprio desígnio. 

“Wanting to be loved. The demand to be loved is the greatest kind of arrogance.”

Traduzindo à minha moda:

“Querer ser amado. Exigir ser amado é o maior tipo de arrogância”

Esta bateu fundo em mim. Voltando ao primeiro capítulo deste diário, onde falo em como quero que a minha escrita seja reconhecida, vença prémios, tenha admiradores. É mesmo uma maneira arrogante de pensar. É achar que tenho algo em mim melhor ou diferente o suficiente que diga algo a alguém sem ser a mim. E com que autoridade é que posso achar isso? Com nenhuma. O primeiro passo é admitir, e admito aqui que sou arrogante em muitos aspectos da minha vida. Pode não parecer, mas quero muito ser amado e reconhecido. Acho que até escondo bem dos outros e quem vê de fora pode pensar que não me importo com reconhecimento. Já me disseram que sou humilde e levei como insulto. Não deveria, agora vou tomar como objectivo.

“Unhappiness. The distinction that lies in being unhappy (as if to feel happy were a sign of shallowness, lack of ambition, ordinariness) is so great that when someone says, "But how happy you must be!" we usually protest.”

Traduzindo de uma forma que consigo:

Infelicidade. A nobreza de ser infeliz (como se estar feliz fosse um sinal de superficialidade, falta de ambição, ordinariedade) é tanta que quando alguém diz “Deves estar tão contente!” normalmente protestamos.” 

Concordo tanto com isto. Quando nos sentimos mais felizes, confortáveis, preenchidos é quando mais duvidamos de nós e das razões para o sermos. Acho que há uma parte de nós que assume que estamos a ser ignorantes. Ignorância é uma benção, então se nos sentimos bem é porque nos falta informação ou algo que devemos almejar. No entanto, acho que é necessário para a nossa evolução termos estes sentimentos, de outra maneira éramos todos homens das cavernas satisfeitos por termos caçado um mamute. Só estamos bem onde não estamos, como dizia António Variações.

“Self-enjoyment in vanity. The vain man wants not only to stand out, but also to feel outstanding, and therefore rejects no means to deceive and outwit himself. Not the opinion of others, but his opinion of their opinion is what he cares about.”

Traduzindo para a minha língua:

“Auto-satisfação na vaidade. O homem vaidoso não quer apenas destacar-se, mas também sentir-se excepcional, e por isso recusa todos os meios que o enganem ou iludam a si mesmo. Não é a opinião dos outros, mas sim a opinião sobre a opinião deles com que ele se preocupa.”

Vou ser sincero, não percebo bem a primeira frase, mas a última teve algum efeito em mim. Acontece eu estar mais importado com a minha reação às reações dos outros do que o que eles realmente pensam de mim. Não quero realmente saber o que os outros pensam de mim se nunca me causar um pensamento sobre o que eles pensam. Gostava de de explicar melhor, acho que ainda tenho alguma reflexão a fazer sobre este tema. A revisitar.

“Danger in multiplicity. With one talent the more, one often stands less secure than with one talent the less: as the table stands better on three legs than on four.”

Traduzindo às três pancadas:

“Perigo na multiplicidade. Com um talento a mais, ficamos menos confiantes do que com um talento a menos: como uma mesa que se segura melhor em três pernas do que em quatro.”

Interpretei isto como uma questão de confiança. Acho que não é o intuito do autor mas eu levei para o lado que fez clique em mim. Quanto mais coisas diferentes tentarmos ser, menos capacidade temos para perseguir cada uma delas. É difícil sentirmo-nos confiantes numa nova faceta da nossa vida e quanto mais nos desdobrarmos menos foco em cada uma das partes vamos conseguir alocar. Talvez possamos ir engordando as 3 pernas essenciais, todas ao mesmo tempo para não criar desequilíbrios, em vez de criar novas.

“Model for others. He who wants to set a good example must add a grain of foolishness to his virtue; then others can imitate and, at the same time, rise above the one being imitated - something which people love.”

Traduzido do inglês:

“Modelo para os outros. Aquele que quer dar um bom exemplo deve adicionar um pouco de estupidez à sua virtude; assim os outros podem imitar e, ao mesmo tempo, fazer melhor do que o que está a ser imitado - isto é algo que as pessoas adoram.” 

Só tenho uma questão, devemos fazer isso conscientemente? É que não consigo pensar em nenhum bom exemplo que não seja em grande parte estúpido e que não possa ser melhorado. Acho que faz parte de todas as ideias ou imagens modelo, todas elas podem ser melhoradas.

Bem, isto deixou-me cansado. Não sei muito bem porque o fiz, mas foi um bom exercício, tanto de escrita como de pensamento. E estou a resistir à ideia de tornar este tipo de análise ou comentário uma coisa recorrente. Este diário serve para explorar de tudo um pouco, sem compromissos. Vou ver se ainda tenho energia para escrever os episódios do podcast. Até amanhã.