Início do Descanso
Peguei num copo de aguardente para beber e escrever. Acabei por não escrever. Li poesia de Ângelo de Lima, alguns poemas declamei-os aos meus amigos pelo Discord. Tem dois ou três poemas bons e que batem fundo mas a grande maioria não me disse nada. O pára-me de repente o pensamento é realmente incrível. Os poemas que servem de odes a divindades mitológicas não me fazem sentir nada, até porque não acrescentam nada, limitam-se a repetir os seus nomes, precedidos de Ó. E seios, o homem está sempre a escrever sobre seios.
Além disso, fiz uma tabela para pensar sobre o meu trabalho, para levar à terapia. Não gosto de trabalhar e agora tenho até à próxima semana para pensar como isso me faz sentir. Faz-me sentir preso, acorrentado a uma obrigação que me dá a qualidade de vida que conquistei. É muito provável que não o consiga fazer de outra maneira. Não sou infeliz na totalidade, há coisa que preferia não fazer mas e então? É um caminho, faz parte da minha arte e poesia. Preciso de sustento para mim e para os meus, de alguma corda que me agarre à realidade e que me impeça de sucumbir à loucura e acabar por ir parar a um hospital psiquiátrico. Talvez um dia consiga fazer dos sonhos pão. Mas até lá… Eu aguento. Preciso de pensar se quero continuar onde estou, perceber se fazer um refresh de empresa me ajuda a motivar. E, em paralelo, trabalhar na criatividade. Deitar cá para fora a minha alma, que Ângelo de Lima diz despertar dos sonhos. Ou talvez não, não quero que a alma me desperta, mas que me adormece e leva num leito de optimismo. Vou querer fazer e vou fazer, vou ser e serei. O resto é acessório ao caminho, é o corrimão de umas escadas que não vemos se sobem ou se descem. Em vez de descer um degrau a mais, vou saltar três de uma vez com o esforço de subir uma escada rolante.
Sobre o Gaspar, hoje fomos fazer o teste do pezinho e a consulta da primeira semana. Tirando ter sujado o casaco na parede da sala de espera do centro de saúde e ficar irritado com a possibilidade de chegar atrasado à consulta (que não aconteceu, mas apanhar o pássaro morto - dado de oferta pelo meu gato, como que oferenda ao recém chegado - e aspirar as dezenas de penas espalhadas pela casa adicionou ali dez minutos ao ritual matinal), estava tudo bem. Já recuperou todo o peso e até ganhou 20g. De resto, tudo óptimo. A enfermeira sugeriu que mentissemos para ser elegíveis para a vacina da tuberculose. Disse-me para declarar que o bebé vai estar durante os primeiros meses de vida com a avó numa zona de alto risco de tuberculose, pois a nossa zona não permite que leve a vacina. O resto do dia foi normal e depois de jantar demos-lhe banho. Não atinámos com a banheira e fomos meio toscos a dar o banho. Mas fez-se. Ah, e ao limpar o coto umbilical, que segundo as enfermeiras está quase a cair, percebemos que tinha lá enfiados fios dos restos da etiqueta do body. Pessoal que faz bodies e outras roupas para bebés, não coloquem etiquetas junto à parte que fica em contacto com o umbigo do bebé, por favor. A não ser que queiram transformar o coto umbilical num Furby.
E comecei um soneto, para tentar perceber a poesia, a olhar para o meu filho. Primeiro esboço, para terminar nos próximos dias:
Lindeza que é bela e pura
Desejos de ser pé de bravura
Pele rosa, que nada é couro
Começas agora, tal calouro
É o filho que veio ao mundo
Incumbe-me de velho apoio
Crescer diante os olhos
Futuro este que não é meu
Sono aquele que já não volta
Dado de oferta à vida nova