Quero voltar
Hoje é dia de terapia. Dia de reflexão sobre a semana que passou, também. Sinto que dei uns passos atrás. Deixei-me levar pelo escapismo dos videojogos, deitei a mão à febre da vacina para me deixar estar quieto e estive irritado grande parte do tempo. Não escrevi praticamente. Passei quase todos os segundos livres a olhar para uma consola ou para um jogo no computador. Não foi bom. Já não jogava nada, tirando Wordle e uma noite de Back 4 Blood com os amigos, há meses. Acho que até desde que comecei a terapia. Decidi experimentar o Vampire Survivors, comeu-me catorze horas e depois meti-me no Pokémon Legends Arceus, que já vai nas vinte e tal horas.
Quando jogo, tendo a racionalizar. Justifico-o com a necessidade de espairecer, esvaziar a cabeça por um bocado. Tento fazer de um vício um descanso. E não acaba aqui, o pensamento entra em espiral. Começo a pensar se realmente é um vício ou se consigo limitar o tempo que passo a jogar, este último sem consequências positivas. Será que é uma questão de tudo ou nada? Tenho de parar de jogar vídeojogos, que me dão tanto prazer, como parei de fumar? É o mesmo? Sinto-me mais irritado quando estou no processo de passar um jogo, não faço tudo o que devia em casa nem cumpro os meus objetivos pessoais de escrever todos os dias. Está a prejudicar a minha vida. Mas será que é o jogo? Ou sou eu que ponho as culpas do meu desinteresse e apatia numa dependência que não controlo, ou não quero controlar? São boas questões para fazer logo e para responder depois.
O trabalho de casa para esta semana, dado pela terapeuta, era identificar o que penso quando me sinto sem vontade. Por vezes sinto uma força que me prende no sítio, que me impede de sair da cama, de fazer o que quer que seja, uma apatia atroz. Identifiquei algumas possíveis causas, mas não pensei muito sobre isso, acho que tentei fugir um pouco. Uma delas é uma doença crónica de que padeço, a Hidradenite Supurativa. Esta condição causa-me dor, desconforto e vergonha e vivo com ela desde os dezasseis ou dezassete anos. Só fui diagnosticado no ano passado, até então pensava que era apenas acne. Os tratamentos que já tentei têm efeitos secundários que são piores do que a doença, ou assim quero acreditar para não ter de os fazer e desleixar-me à vontade. A doença tem um forte impacto em mim, no meu bem estar e na vida de quem me rodeia. Mais um tema para falar.
Outra das possíveis causas do meu mau estar mental são daddy issues. Sei que a minha infância e a relação com o meu pai tiveram, e continuam a ter, efeitos nefastos para mim mas ainda não tenho coragem suficiente para abrir esta porta. É uma fonte de dor e sei que se mergulhar nela com alguém presente vou ficar encharcado. Mas algum dia tenho de o fazer, não o posso adiar eternamente como adio tudo o resto. Cá está, outro problema a tratar, a procrastinação e a minha relutância em tratar de mim mesmo. É, há muito trabalho para fazer na terapia. Tenho de começar a puxar estes cordéis para ver o tamanho do desagradável novelo.
Estou ansioso para esta sessão, receoso do que vem aí, desconfortável por falar nas coisas. Agora menos, já escrevi algumas delas. É importante fazer este exercício de introspecção antes de falar com alguém. Ajuda a preparar-me, é como uma almofada para a alma. Independentemente do que acontecer naquela hora, vou voltar a escrever. Não sei se vai ser preciso parar de jogar para sempre ou fazer uma lobotomia, mas quero voltar à minha rotina. É bem mais importante do que salvar o mundo de vampiros ou pokémons endiabrados.