tick, tick...BOOM!
Hoje vou-me estrear a escrever sobre cinema. Aproveito o “tick, tick…BOOM!” para ganhar balanço. É um biopic, produzido pela Netflix, o primeiro filme realizado por Lin-Manuel Miranda, criador do Hamilton.
O filme é um drama musical biográfico que segue Jonathan Larson, o dramaturgo por trás de Rent, no início dos anos 90 e interpretado por Andrew Garfield (The Social Network, The Amazing Spiderman), na sua demanda de escrever e produzir o seu primeiro espectáculo para a Broadway. A narrativa segue também a sua relação amorosa com Susan (Alexandra Shipp) e a amizade com Michael (Robin de Jesus), amigo de infância e colega de quarto.
Andrew Garfield é para mim um dos melhores actores de Hollywood da actualidade. Quem diria que sabia cantar? Dá vida à ansiedade de ser artista, exprime a corrida contra o tempo e o desejo da criação humana como ninguém. Não demonstra isso apenas nos seus vários monólogos em palco mas também quando contracena, sempre dando um vislumbre do conflito interno da personagem.
Apesar de algumas personagens secundárias servirem apenas de cenário ao drama do personagem principal, a história de Michael (Robin de Jesus), o melhor amigo de Larson, homossexual num mundo a atravessar uma pandemia de VIH, destaca-se, acrescentando drama à iminência da morte. E a iminência da morte é um dos temas deste filme. O desejo, às vezes irracional, do protagonista querer escrever um musical antes dos 30 anos de idade causa-lhe perturbações nas outras esferas da vida privada, principalmente na sua relação amorosa. É, por isso, o conflito entre a normalidade, o ter um emprego estável, um apartamento com porteiro, uma família e a procura de uma verdade artística, uma obsessão criativa, que criam tensão na vida de Larson. As pessoas mais próximas dele rendem-se à rotina responsável, à tentação de ser mais um, mas Larson resiste e insiste, mesmo quando a tentação de ir para o outro o lado é grande.
A melhor cena e número musical do filme é, para mim, a Terapia. Podem vê-la aqui:
As interpretações são irrepreensíveis, a edição entre a discussão e o espectáculo está meticulosamente cuidada e a letra da música, inserida numa canção country, diz muito sobre relações humanas. Além disso, o motif das marionetes parece ter uma grande inspiração da cena memorável de Renée Zellweger e Richard Gere no filme Chicago, que é sempre bom relembrar.
Nem todas as músicas são brilhantes. Em contraste com as brilhantes canções de Therapy, Boho Days e Sunday, algumas não têm a mesma inspiração. A realização da música Swimming, apesar de terminar de uma maneira visualmente criativa, parece não se enquadrar no registo estabelecido pelo filme. O mesmo acontece na Play Game, podia ser uma cena cortada que não faria diferença para a narrativa do filme.
Por fim, deixo uma citação, proferida pela agente de Larson, Rosa (Judith Light), que resume o acto de expormos as nossas criações ao escrutínio público:
“A primeira apresentação do teu musical é como fazer uma colonoscopia em Times Square. Só que o pior de uma colonoscopia é descobrires que tens cancro. Com um musical, descobres que já morreste”